A Sociedade do Relógio
Por José Uesele Oliveira Nascimento
A sociedade moderna foi aprisionada pelo tempo. E até hoje sofremos as agruras desse acontecimento, pois o relógio, responsável direto pela materialização do tempo nos escravizou por meio da alienação cotidiana.
Na Pré-história, a natureza controlava as ações humanas, o homem primitivo era um ser dependente dela, o dia claro era destinado a caça de animais e coleta de frutos silvestres e a noite a caverna era o seu refúgio do mundo exterior - o tempo era natural. E foi da observação do movimento dos corpos celestes, que nasce a noção de “tempo mecânico”.
Sem dúvida, o que distanciou a sociedade ocidental (com seu ritmo frenético) da sociedade oriental (em meio a sua passividade temporal), ao longo da história foram suas concepções particulares de entender o tempo e de se comunicar com espaço social visível.
O grande responsável por essas mudanças foi fatalmente o relógio – controlando o tempo e escravizando os homens em regimes sistemáticos de trabalho em espaços restritos de produção. Gerando assim na Era das máquinas (século XVIII) uma eterna luta social entre patrões e empregados. No âmbito fabril a massa proletária buscava justificar o alarmante desemprego elegendo uma culpada pelo caos emergente, as máquinas tornavam-se as grandes vilãs do processo e foram extirpadas pelo ludismo, mas os operários não compreenderam que a disciplina do corpo ia além, pois seus gestos e comportamentos eram manipulados pela alienação coisificando-os enquanto elemento extensivo da máquina.
O tempo se tornara inimigo dos trabalhadores. Sendo obrigados no passado a acordar cedo, engolir o café com um naco de pão vestir as crianças e pegar estrada; hoje passam horas na condução lotada (até chegar ao trabalho), batem cartão e dividem o tempo entre o trabalho rotineiro e o ritual sagrado de acompanharem o tempo na inércia do relógio fixado na parede da fábrica. E quando voltam para casa curtem o prazer alienado em frente à tv, enquanto seus olhos desobedientes se perdem num sono sobressaltado de pesadelos com sua asfixiante rotina.
No decorrer do século XIX os ‘relógios’ se espalhavam pelos espaços de convivência humana. Assim em igrejas, nas escolas, nos escritórios e principalmente, nas fábricas a pontualidade passou a ser uma virtude exigida de forma cartesiana, ao passo que os atrasos ganhavam contornos punitivos.
Toda essa aceleração do mundo capitalista ocasionou um circuito frenético de ações desconexas como: refeições feitas às pressas, o vai-e-vem diário das conduções, em meio as preocupações pessoais e a tensão de trabalhar num regime de horários, tudo isso, gera no “homem ocidental civilizado” problemas como o stress, a alienação, a depressão, as convulsões digestivas ...afetando sua existência saudável.
A verdade é que o “tempo engoliu o homem”, tendo este que trabalhar numa velocidade/intensidade cada vez mais distantes de suas reais condições físico-mentais. Dessa forma, o operário torna-se um mero espectador de sua produção, um verdadeiro especialista em “olhar o relógio”, na expectativa de voltar para casa, e aproveitar as escassas horas que lhe restam com atividades monótonas, e com o tempo cronometrado (assim como na fábrica): vai ao cinema, ouve rádio, assiste TV, conversa com amigos – apenas para matar o tempo. Ou seja, faz o que seu mísero salário e estafante cansaço lhes permitem fazer.
Com tudo isso, temos a impressão que o homem se perdeu em seu próprio tempo. E para se (re)encontrar precisa conciliar fé e razão – na busca de preencher o vazio interior -, e quebrar as correntes que lhe prende aos ponteiros do relógio e finalmente libertar sua consciência da alienação.
Bibliografia Consultada:
WOODCOCK, George. A Rejeição da Política. In: Os Grandes Escritos Anarquistas. Porto Alegre: L & PM, 1981.p. 120