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O fenômeno Holmes: arte, ciência e universalidade

Camila Corrêa*
Um chapéu com dupla aba, um cachimbo, uma lupa e um violino. Dentro do imaginário popular, a combinação de tais objetos aponta imediatamente para uma peculiar figura literária: o detetive Sherlock Holmes, símbolo da Londres vitoriana. Tendo sua primeira aventura publicada no ano de 1887 — o romance “Um Estudo em Vermelho” — e a última em 1927 — o conto “O Velho Solar de Shoscombe” —, é admirável que, quase 100 anos depois da aparição final em uma obra de Arthur Conan Doyle, o personagem continue tão facilmente reconhecível. Afinal, o que faz do nome “Sherlock” quase um sinônimo da palavra “detetive”? Por que, mesmo após a imensa popularização do gênero policial resultar em incontáveis histórias de investigação e ultrapassar os limites das páginas dos livros, Holmes ainda atrai uma vasta gama de leitores do século XXI?
A resposta para esses questionamentos pode ser encontrada, somente, ao analisar os elementos utilizados por Conan Doyle para construir o seu mais famoso personagem e a atmosfera de suas obras. Nota-se que, a partir da união de fatores narrativos e perspectivas histórico-sociais, o autor foi capaz de escrever histórias resistentes ao tempo e propícias a diferentes releituras e reinterpretações contemporâneas — vide a permanência da figura do detetive na cultura popular, através, também, de veículos de comunicação modernos, como o cinema (franquia de filmes “Sherlock Holmes” e outras produções, totalizando mais de 200 aparições cinematográficas) e a televisão (em especial, a série “Sherlock”, da emissora britânica BBC). Logo, faz-se necessário retornar aos pilares da criação de Doyle para entender a sua universalidade.
Primeiramente, cabe examinar a essência do protagonista. Holmes é retratado como um ser humano brilhante, dotado de complexas capacidades de observação e dedução, as quais tendem a, por vezes, fazê-lo parecer uma máquina construída para desvendar mistérios. Entretanto, é evidente que, para o leitor médio, não seria interessante buscar compreender monólogos do detetive, organizados como longas e cansativas listas de objetos e cenários que o levam a descobrir o culpado por um crime. Sabendo disso, Conan Doyle encontrou a fórmula perfeita para transformar Sherlock em uma personalidade atraente para todos os públicos: apesar de priorizar o bom funcionamento de sua mente e a habilidade de raciocínio lógico acima de quaisquer coisas, Holmes apresenta um forte lado humano, representado pela figura de seu melhor amigo e biógrafo oficial — o dr. John Watson. As personalidades dos componentes da dupla tornam a experiência literária racional e emotiva simultaneamente; mas, sobretudo, apreciável pelo equilíbrio e pela completude que uma fornece à outra, originando a química entre protagonista e “sidekick” (parceiro, em tradução livre).
Além das clássicas características atribuídas ao detetive, a escrita de Sir Doyle é um fator primordial para a atemporalidade de suas obras. Ao analisar as estratégias investigativas de Sherlock, nota-se um diálogo entre saber cotidiano, baseado na observação de fatos e no senso comum, e o mais puro método científico. Retomando postulados muito semelhantes aos do empirismo e do racionalismo filosóficos para relacioná-los a simples pontos de sua narrativa, Doyle foi capaz de desenvolver uma escrita refinada e acessível, em que Holmes desvenda os mistérios que lhes são apresentados de maneira clara e integral, sem ofuscar pistas previamente mencionadas. Dessa forma, o criador do detetive mais popular do planeta se consagra como um autor de textos inteligentes, bem planejados e agradáveis a públicos de diferentes épocas — obras comparáveis, em termos de qualidade, a roteiros de Chaplin e a músicas de Lennon-McCartney.
Por fim, o cenário da Inglaterra vitoriana fornece, ao leitor atual, uma perspectiva de como o cotidiano e as ideologias circulantes evoluíram desde a publicação das histórias originais de Holmes. Temáticas como o papel social da mulher (retratado, principalmente, no conto “Um Escândalo na Boêmia” e no tratamento dispensado à sra. Watson) e a utilização de drogas (Sherlock é apresentado como usuário ocasional de morfina e cocaína, para fins recreativos) são discutidas conforme as crenças do período histórico em questão, o que evidencia o surgimento e a reformulação de conceitos os quais, à época, eram vistos de formas inteiramente diferentes. Logo, as aventuras de Sherlock Holmes, além de fornecerem elementos narrativos apreciáveis e contarem com uma escrita bem planejada, também retratam a evolução natural da sociedade, que vem buscando meios de se tornar mais igualitária e consciente em diversos âmbitos — apesar de ainda conservar traços contrários à plena concretização desse objetivo.
Em conclusão: Sherlock Holmes faz parte da história da literatura e do imaginário coletivo de maneira tão profunda que, mesmo tendo sido o foco de inúmeras releituras por outros autores e servido, em algum momento, como inspiração para quase toda forma de arte existente, sua influência cultural não consegue ser medida em filmes, séries, músicas, páginas de livros ou textos como esse. Assim, é elementar, caro leitor, simplesmente desfrutar ao máximo da atmosfera proporcionada pelo conjunto de elementos que tornam as aventuras desse personagem tão únicas, instigantes e atemporais.





*Ensino Médio Completo. Foi medalhista de ouro em Sergipe na Olimpíada Brasileira de Geografia. Medalhista de ouro na Olimpíada Nacional de Ciência e por duas vezes medalhista de Bronze da Olimpíada Nacional em História do Brasil (ONHB).

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