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O Meu Pé de Laranja Lima: uma carta de um José para um Zezé.

Por Layla Reis

Em meados de 1968 era lançado o romance “O Meu Pé de Laranja Lima”, cuja autoria é de José Mauro de Vasconcelos, mais tarde foi traduzido para mais de 50 idiomas, tem duas partes e é dono de uma trama única e extremamente marcante no que tange a infância e as dificuldades atemporais sofridas pela grande maioria das crianças e dos que um dia já foram crianças.

Zezé, um garoto esperto, que para algumas pessoas, “tinha o diabo no corpo”, tinha uma vida estável com seus 5 irmãos, até um dado momento em que seu pai perde o emprego e sua mãe, invertendo os papéis, vê-se obrigada a trabalhar o dia inteiro numa fábrica. Com isso, tudo muda: a família deixa seu lar confortável para morar em Bangu e é nessa periferia carioca que nasce o título da obra; a nova casa tinha um quintal e cada uma das crianças “adotou uma árvore”, e Zezé escolheu o pé de laranja lima, que carinhosamente foi chamado de Minguinho. O menino que tinha o diabo no corpo, era arteiro e traquinava o bastante para apanhar de seu pai e ser alvo de drásticos castigos, e nesses momentos de solidão, Minguinho o consolava numa enorme prosopopeia. A árvore era o único amigo de Zezé, além de Portuga, o qual a segunda parte do livro gira entorno. Portuga, tio do protagonista, taxado pelo restante da família como louco por ser poeta, mantinha uma secreta amizade com o menino, fornecendo-o amor e acolhimento de um modo que ele jamais presenciara em sua casa. Entretanto, como nem tudo são flores, Portuga morre atropelado e numa ironia do destino, o pé de laranja lima é cortado por ser maior do que o suportado pelo quintal. O pai de Zezé consegue um novo emprego e a vida de toda a família parece mudar, exceto a do menino, que remoía a tragédia a cada instante.

O livro tem uma narrativa capaz de fazer até o mais frio leitor deleitar-se em suas palavras e imerge na doçura da ótica de Zezé. Ele retrata uma temática muito presente na vida de diversas crianças, a negligência causada pelo fato de os pais estarem sempre muito ocupados e preocupados com suas próprias vidas, ao ponto de esquecerem a vida que eles mesmos geraram e resultante na criação de um universo particular pelo protagonista, que serve de refúgio para ele em todos os momentos de dor ou angústia. Apesar de ser um livro que abre os olhos do leitor para o lado sombrio da infância, “O Meu Pé de Laranja Lima” não perde o seu aspecto dramático e imaginário que é o que justamente torna a obra tão familiar a todos que a leem, diferentemente de outras obras satíricas. Isso se dá por conta de a história ser, na verdade, uma autobiografia de José Mauro de Vasconcelos. Isto posto, cabe citar que Vasconcelos foi extremamente ambicioso ao tratar do aspecto ruim dos seus primeiros seis anos ao mesmo tempo em que se recordava da parte boa, mesclando-as e deixando à mercê de seu público em qual delas irá se identificar. É possível contextualizar esse fator com a composição “Malandragem”, de Cássia Eller, afinal, não é errado dizer que o autor consegue adentrar os corações de seus leitores por ter, em sua narrativa, tópicos realmente da infância (o imaginário, por exemplo), fazendo assim a criança interior de cada um vir à tona e reconhecer o passado com outros olhos, do mesmo modo que José olha para Zezé, escrevendo e reescrevendo à sua infância uma carta repleta de malandragem, esta proprietária de uma reflexão em cima de algumas atitudes: “Tudo que peço a Deus é um pouco de malandragem/pois sou criança, e não conheço a verdade”. É preciso malandragem ao retomar tópicos da infância após ler “O Meu Pé de Laranja Lima”, e assim reconhecer muitas ações que foram resultados de uma violência que não se resume à física, e, por fim, conhecer a verdade.



Layla Reis, autora do texto.


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